Não confunda solidão com solitude! A primeira é por ignorãncia, a segunda por opção... |
Há um paradigma comportamental
que existe desde que o mundo é mundo. Ou, ao menos, desde que o ser-humano se
tornou social. Trocando em miúdos: desde sempre. Que somos seres sociáveis, isso
aprendemos já na escola. Ou antes. Temos a necessidade de viver em sociedade,
afirmam os antropólogos. Almas gêmeas, metade da maçã, caras-metades...
Romantismos à parte, estamos sempre à procura de complementos para nossa
existência, o que geralmente se traduz na busca de um parceiro para vida à dois
(ou à três, a quatro, depende da vontade de cada um em deixar uma prole exponencial.
Ou não). Em suma, estamos à todo momento esquadrinhando opções que,
teoricamente, nos tragam algum conforto psicológico, aceitação social ou simplesmente
um sócio na empreitada existencial à qual estamos condicionados. Não raramente
ouvimos depoimento de pessoas que, ao serem questionadas sobre o sentido da
vida (coisa que deveríamos fazer diariamente!), acabam por correlacionar este
fator à vida familiar, ou, melhor dizendo, à vida conjugal, afinal de contas
definir “família” na atual conjuntura sociocultural em que a humanidade se
encontra está cada vez mais complexo. A questão primordial, nesse caso, é o
fato de as pessoas, de modo geral, estarem acondicionadas à um pensamento,
EQUIVOCADO, de que só seremos felizes, ou só nos realizaremos, ou só
encontraremos o sentido da vida estando acompanhados. No entanto, na contramão
dessa convenção universal humana, inda que inconsciente, vemos a decrepitude
dos relacionamentos conjugais, sejam eles longos ou breves, estáveis ou
instáveis (isso mesmo, um relacionamento estável não necessariamente tem a ver
com a felicidade ou plenitude dos cônjuges, tendo mais relação na verdade com o
termo conformismo, ou mesmo comodismo e muitas vezes é apenas questão de
conveniência. No geral, atualmente a definição “relacionamento estável” serve
apenas para fins judiciais...). Nada mais comum hoje em dia do que encontrarmos
casais vivendo de aparências, por mera conformidade, e os motivos variando
desde questões financeiras (posses, bens materiais, etc.), bloqueios e traumas
psicológicos ou até mesmo por puro status (este último, inclusive, está bem comum
nos nossos círculos sociais mais próximos). Invariavelmente, qualquer que seja
a causa, não vejo como não atrelar estes tipos de relacionamentos “teatrais”
aos monstruosos problemas sócio comportamentais que nossa sociedade
contemporânea apresenta. Sem a menor sombra de dúvida, pais e mães
problemáticos e infelizes dificilmente criarão filhos de caráter forte e
princípios bem definidos. À parte as predefinições karmáticas, que estão se
tornando cada dia menos influentes (positivamente, digo), nos deixando a todos
à pura mercê das influências do meio.
Mas deixemos a análise “psico-antropologica”
de lado (se é que isso é possível...) e voltemos ao nosso paradigma. Me refiro
especificamente à clássica confusão que fazemos ao não diferirmos SOLIDÃO de
SOLITUDE. Antes que algum letrado em terminologias me crucifique, vamos às
definições contemporâneas dos termos. Quando digo solidão, quero referir-me ao
tão conhecido e, por que não dizer, querido sentimento vastamente difundido nas
melosas letras de músicas e poesias de amor, cantado pelos boêmios, poetas, pagodeiros,
sertanejos e até roqueiros mestres das dores de cotovelo (ok, peguei pesado).
Esse sentimento que nos faz achar que precisamos necessariamente estar
acompanhados para podermos ser completos. E, infelizmente, é o grande
impulsionador de casamentos fracassados tão comumente encontrados aos “balaios”
por ai. A pessoa sente um vazio, uma vontade de compartilhar, uma falta (e nem
sabe do que...) e de repente, pimba! La está a sua alma gêmea, aquela pessoa
agradável, bonita, inteligente, engraçada, esclarecida, alegre, perfeita (claro
que estou exagerando, mas só para frisar) que por acaso você está saindo, ou
namorando, ou acabou de conhecer, tanto faz, e é a solução para seus problemas.
Casam (ou apenas partem para uma “união estável”, ta na moda hoje...) “Agora sim vou ser feliz”! Só que não. O vazio continua. Se esconde por
um tempo, mas volta. Assombra. Muda, mas nunca some... Por que isso acontece?
Muito simples: não era de companhia que necessitávamos para solucionar nosso “problema”.
Em verdade, nem tínhamos um problema, o que tínhamos (e temos) é um estado de
espirito do qual não temos conhecimento, com o qual não sabemos lidar.
Que tal umas férias aqui? Tipo, uns 30 anos... |
Um parêntese aqui (mais um,
rsrsrs): em hipótese alguma estou me
posicionando contrário ao casamento, união conjugal ou qualquer relacionamento
à dois, e sim apenas expondo um fator determinante nos FRACASSOS destes quando
realizados sem a devida compreensão, por parte de ambos, acerca dos sentimentos
individuais da cada um.
O que acontece na prática, é
que este vazio, ao qual chamamos solidão, até existe. E o afastamento mesmo da
alguém querido nos faz sentir saudade, o que é prova de que a solidão é real. Porém,
muitas vezes (muitas mesmo!) não é com um parceiro que vamos preencher essa
lacuna. E quem consegue compreender isso, acaba por descobrir um novo sentimento,
totalmente voluntário e sem relação direta com sofrimento. Um estado que, ouso
dizer, somente os espíritos livres, as almas mais sábias conseguem alcançar.
Mas a cada dia que passa é mais raro encontrar seres que compreendam isso. E,
por amostragem, é menor ainda o número daqueles que vivem esse princípio.
Encontrar alguém que realmente domine esta arte? Ai é bem provável que teríamos
que dar um pulo ali, no Tibete. Conheço algumas pessoas que tem essas características.
Claro que ainda não dominam, mas estão no caminho certo, o da compreensão, e
por observação afirmo que sofrem mais com a pressão que a sociedade exerce,
cobrando seus padrões de comportamento e tudo mais, do que com sua opção de
isolamento. Está tão incrustada em nossa cultura essa questão social, que até existe
um termo pós-moderno para definir esse tipo de pessoa reclusa que temos por ai:
antissocial. E aqui temos outro grande equívoco. Uma pessoa optante da
solitude, não necessariamente é antissocial, e vice-versa. Um antissocial está
mais para alguém solitário ao extremo, que de tanto sentir falta de uma companhia
que o compreenda, que o aceite, que o ame, acaba por isolar-se de tudo e todos,
tornando-se muitas vezes inconveniente e até desagradável, e por consequência
perde o feeling de lidar com pessoas, e isso, meus amigos, é exatamente o que o
difere do amante da solitude. Aquele que vive em um isolamento voluntário,
recluso por opção, geralmente o faz na busca de sua paz interior e não tem dificuldades para lidar com os outros, pois já compreendera
o significado de seus sentimentos e superara essa questão tão basal sobre
necessidade de relacionamento, e sabe que isso é meramente um padrão social
imposto pela sociedade. Obviamente que isto não torna suas vidas mais fáceis. Não
necessariamente. A solitude existe a mais tempo do que imaginamos, e já foi
mais comum do que supomos. Nos primórdios era fácil se isolar. Bastava que nos
mudássemos para as montanhas, ou para uma floresta, um monastério até. E voilá, tínhamos um monge! Hoje não é mais
tão simples assim. Não dá simplesmente para largar tudo e: #partiu montanha! E olha que tenho conhecimento de verdadeiros
monges contemporâneos, que vivem suas
vidas, tem seus afazeres, seus trabalhos, eventualmente famílias, e conseguem
manter um grau de isolamento do mundo de dar inveja a qualquer shaolin. E isso tudo sem morar em uma caverna...
Que feio... Fazer isso com seus amigos antisociais, digo, amantes da solitude! |
Enfim, há que se fazer uma
breve reflexão (#ficadica!) sobre
esta questão, a qual considero de suma importância para aqueles realmente
interessados em preencher estas tão famigeradas lacunas existências que tanto
nos atormentam. O primeiro passo, eu diria, seria tomarmos mais cuidado ao
ficarmos de bulling com aqueles nossos amigos “forever alones” (olha lá, sem ficar pensando em ninguém agora,
hein!?) que gostamos de chatear com aquelas piadinhas toscas relacionadas à
antissocial, postando memes de troll faces nas redes sociais e marcando eles, esse
tipo de coisa. Não os desprezemos, pois, já ouvi de um sábio certa vez, “até entre os deuses existem aqueles que
vivem isolados, no entanto, não raramente, é nesses que se encontram as
essências mais puras e piedosas que possam haver”. Foi mais ou menos isso,
acho. Todavia, talvez, apenas talvez, esses esquisitões sejam mais felizes no
mundinho deles, sozinhos, do que nós acompanhados por todos os lados... Menos o
de dentro...
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